segunda-feira, 18 de junho de 2007
Parto. Não me cabe essa fatia. Dou a volta em torno da mesa. A torta é a mesma. Torta. Barulho em baixo da toalha lisa. Nada. As formigas fazem silêncio. Emergem xadrezas sob a torta. Sobre a toalha, debaixo da torta. Clara. Torta. Cruzo as pernas. Cadeira. Frases sempre mais curtas. Pés resignados. Meus. As formigas caminham e fazem silêncio e caminham sempre. Tortas caminham sob o forro da mesa. A fatia aguarda.
Sente-se, meus verbos serão todos tão imperativos quanto meus desejos. Voltarei quando você se sentar. Ainda, anda, senta. Não, volta, senta. É vazia a boca que te cospe. É manco o gesto que te interrompe. Senta e podemos até criar um livro de provérbios milenares. Ejacular a faca da sua mão. Tombar sobre a pedra crânios vermelhos. Senta, vamos tentar. O tempo está bom, senta. Guardarei a sobremesa permanecerei quieta, aqui, neste mesmo lugar. Você agüenta esse pulso, a pele espessa, os tendões. Você senta e eu te compro uma revista, um bombom, haverá uma brisa. Faço companhia até alguém voltar. Discutiremos cidades, concreto, áreas de lazer. Concordaremos. Farei café e o tempo vai passar. Estaremos despertos, de pé, sobre a pedra fundamental. Afundaremos juntos, porque cabe a nós e a mais ninguém. Assistir programas na televisão, dormir tarde, ter cachorros, filhos, paredes, cds. Não sucumbir ao sorriso do céu cinzento deixar que uma nuvem apenas espanque nossos corpos sobre o asfalto, despenque molhada, gasosa e, gentil como carne de mãe, não provoque nenhum espanto. No tempo, as roupas irão secar.
Perdida em seu ventre, a Clara morreu pelo avesso. Seu útero espalhou-se pelo asfalto quente, calor, ela se lembra. Não se esquece, Clara despedaçada sobre a cama. Desfalece entre guardados, filhos, lençóis. Mas isso não é esquecer. Argumenta. Sua boca larga tinha força pra dizer. Onde escondeu-se a fragilidade de Clara. Se o ventre, terra preta e enxada, se o pequeno porte fechou-se em ferida. Se a vida agora estava debruçada sobre seu corpo cheia de cuidados, para que não doa. Sopra. Sem tocar a pele para que não se abra. Sem olhar os ossos para que não se quebrem. Sem que se façam perguntas. Converse em silêncio para que Clara responda, dentro da sala, o corpo que alguém ousa dizer frágil. Não. Sutil tavez, a conversa os ossos os olhos que vão longe. Não toque Clara, avisa a placa, o pequeno pássaro corajoso que não exita em falar alto, padece com coragem e aguarda o sopro para expirar a última fumaça violeta de dentro da sala escura de seus pulmões, por enquanto, repousa sobre a palma de cada uma de suas mãos.
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