quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Agora são inúteis poemas de palavras
Só tenho flores nos olhos se forem para Liz

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O medo
acompanha o dia
quando o dia é lindo
e não se vê
o medo
o dia todo entre
os alvéolos
alvos turvos sustos
a cada expiração

o medo
aparte todos os credos
entre os alvéolos
não adianta quando o medo é
ameaça já é medo
se você inspira
já é medo

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Ainda é tarde, o sol venta imóvel sobre as plantas da sala. Imóveis as plantas, não se aguentam. Tarde e o sol vai baixar, erguer serras sobre a cidade de edifícios. Tarde não há lua, não é verão. Não há tempo para um banho de mar. O mar já vai longe, tarde. A tarde lança homens, danças, traz meninos e caminhões. Vão brincar, correr para oeste, permanecer.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Aviso de perda
Enzenberger

Perder os cabelos, o controle,
entendem o que eu digo, o tempo precioso,
numa batalha perdida perder
a altivez, o brilho, lamento,
não faz mal, perder por pontos,
não me interrompam, perder
sangue, o pai e a mãe,
perder uma vez mais, num piscar
de olhos, o coração perdido
em Heidelberg, perder o encanto
da novidade, são águas passadas,
os direitos políticos, ah bom!
a cabeça, Deus do céu, a cabeça,
caso seja indispensável,
o paraíso perdido, não estou nem aí,
o emprego, o Filho Pródigo,
o prestígio, bons ventos o levem,
perder um molar, duas guerras mundiais,
perder três quilos de excesso de peso,
perder, sempre só perder, inclusive
as ilusões há muito perdidas,
e daí, nenhuma palavra
sobre os esforços perdidos,
mas nenhuma mesmo, perder
a vista de vista, a inocência,
que pena, perder-se, perdido
em pensamentos, na multidão,
não me interrompam,
o juízo, o último centavo,
deixa pra lá, estou quase terminando,
a compostura, o senso do ridículo,
perder tudo de uma vez,
até mesmo, ai, o fio da meada,
a carteira de habilitação e a vontade.
Pés, papéis, olhos, boca, joelhos, cacos. Me disfarço num mosaico. Só sabe quem espia pelo buraquinho. Surpresa, me ofereço aos pedaços. Mutilada, em grossas postas, talvez entenda carne de que me faço. mas, em tempos modernos, não abro mão do anonimato. Depois de me ver na bandeja, escondo o nome, me perguntam o que faço, do que vivo, como sou, a quem devo explicações. Mas, se mostro o resto, arranco a pele. E vice-versa.
A urgência me caminha em círculos. Estou urgente. A urgência é ainda móvel mas já tem um tremor por dentro: vê-se pela caligrafia.
Eu te vi, perdi o prumo. "Ana, querida, não se atreva a fazer previsões." Não existe rumo, essa vida, esse delírio. Não existe certo, incerto, errado. "Invente o mundo, Ana." Não gostei do que vi. Fui embora. Pra isso serve esquecer. Eu te vi, perdi o esquecimento. "Achou que ia sair impune?" E se eu passar batido? Não é pra isso que serve essa vida, esse delírio. "Você tem de inventar um rumo, Ana, e fingir que é real."